terça-feira, 18 de janeiro de 2011

WINNICOTT

Winnicott cria os conceitos de fenômeno e objeto transicionais a fim de compreender o processo de transição da dependência absoluta da criança em relação à mãe (vista como um objeto subjetivamente concebido) à conquista de uma relativa independência (onde a figura materna se localiza além do controle onipotente). Preocupou-se em não alienar em campos distintos terapeuta e teoria, tendo como objeto a relação humana com o saber instituído, mais particularmente, o relacionamento entre o psicanalista, o modelo teórico por ele adotado e a prática clínica.
Os conceitos de setting, holding, aliança terapêutica, são criações psíquicas que não podem ser avaliados em termos físicos apenas, pois pertencem àquela área intermediária que Winnicott denominou de espaço potencial.
O espaço analítico é um espaço relacional, um espaço de mudança, criado a partir da inter-relação dos elementos existentes neste espaço - do analista que aceita e deseja a responsabilidade de criar este espaço de convivência dentro de um contexto, utilizando fio condutor e do analisando que aceita compartilhar este espaço e o modifica através de sua participação, produzindo uma dinâmica na qual ambos mudam.

“O que fazemos juntos é sempre uma coisa bastante natural; algo limitado é retirado das formas naturais de cuidado infantil e da vida doméstica, ou de ser uma criança em desenvolvimento ou de não ter êxito no contexto que surge. Se observarmos que estamos fazendo algo ou nos comportando de uma forma que não tem contrapartida na vida e na vivência cotidianas, então nos recompomos e pensamos novamente. O que fazemos é organizar um ambiente profissional constituído de espaço, tempo e comportamento, que compõe uma área limitada da experiência da criança ou do cuidado com crianças, e vemos o que acontece. Isto é análogo à forma na arte”.²(p.160)
O espaço potencial é um campo de ação que ultrapassa a dicotomia internalidade-externalidade, onde um objeto, coisa, pessoa, experiência não se reduz a um único significado para o indivíduo, mas está inserido num processo onde a psique humana segue um curso aberto, cheio de plasticidade, de evolução e desenvolvimento.
Novas significações são passíveis de emergir a medida que novas formas de viver e se relacionar emergem na pessoa, e onde o tempo e a forma destas interações são, por si só, agentes de mudança e transformação.
Green³ (1988) faz a analogia de que, se Freud à s vezes comparava a situação analítica ao jogo de xadrez, poderíamos comparar a obra de Winnicott ao jogo que este criou, o jogo do rabisco, tradução gráfica do espaço analítico, da maneira como ele o percebe. O autor escreve:
“O significado não é descoberto, é criado. Prefiro descrevê-lo como um significado ausente, um sentido virtual que aguarda sua realização através de cortes e modelações oferecidos pelo espaço (e tempo) analíticos. É um significado potencial. É constituído na e pela situação analítica; mas se a situação analítica o revela, entretanto não o cria. Leva-o da ausência para a potencialidade e depois o torna real. Torná-lo real significa suscitá-lo à existência, não fora de nada (pois não existe geração espontânea), mas fora do encontro de dois discursos e por meio daquele objeto que é o analista, a fim de construir o objeto analítico.".(p.296)
Na intimidade do Eu, do si mesmo, num lugar nunca totalmente revelado, localiza-se o cerne da existência humana, cerne que buscará sempre um senso de continuidade a ser mantido através das mudanças e variações do ambiente em volta.
Em princípio, a sustentação desta continuidade é dada pelo cuidado materno, que, quando bem realizado, dá à criança a ilusão de que o mundo foi criado por ela. A capacidade criativa será a raiz que irá permitir, mais tarde, que a criança possa sustentar-se por si mesma e que sejam suportáveis as desilusões e o reconhecimento de uma potência limitada, substituindo o sentimento de onipotência original.
Tal capacidade é o instrumento que permitirá uma adaptação não submissa do indivíduo ao meio, permitindo-lhe manter o sentimento de ser a si mesmo nas interações com o mundo. Winnicott enfatiza o aspecto criativo da experiência do viver, apontando seu lugar: o espaço potencial, herdeiro desta relação básica original, ocorrida antes que este bebê descobrisse que não era o centro do universo, e que fornece, quando existente, os alicerces para um desenvolvimento saudável.
Winnicott chama de “gesto espontâneo”, gesto que surge como um movimento pessoal expansivo, inicialmente dirigido ao objeto subjetivo e depois ao outro, objetivamente percebido. Um gesto modulado pelas circunstà¢ncias que o cercam, promotor de vida. Há, no homem, a necessidade de uma continuidade de experiência e de ser que ultrapasse a cronologia de uma existência singular, uma continuidade de ser na cultura, vivendo-a no sentido pleno da palavra.
Winnicott considera que esta necessidade de continuidade talvez seja o que caracterize a condição humana 4 - o desejo de poder legar uma marca pessoal àqueles que virão, garantindo a continuidade da raça humana e a transcendência de uma existência pessoal.
O trabalho analítico nos ensina que o saber é uma experiência de permanente rearticulação e re-significação, onde as experiências posteriores modificam e reordenam a memória e a compreensão do passado. É esta plasticidade que faz a vida e a psicanálise interessantes e apaixonantes, mas também faz da vida e da psicanálise algo que temos que abrir mão do controle total.
A criatividade surge quando se é possível usufruir, sem medo do aniquilamento, o desconhecido. Winnicott nos ensinou que a ação criativa é uma atividade que se estende por toda a existência e nos permite fazer de nosso trabalho uma tarefa que vale a pena ser exercida.

Referências Bibliográficas:

1- Grolnik, Simon. Winnicott: O trabalho e o brinquedo. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

2- Davis; Wallbridge. Limite e espaço: uma introdução à obra de D. W. Winnicott. Rio de Janeiro: Imago, 1982.

3- Green, A. Sobre a loucura pessoal. Rio de Janeiro: Imago, 1988.

4- Winnicott, D.W.. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.