sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

O "novo" ambiente psicossocial

Entrevista de Eda Tassara para o Portal Ciencia&Vida Por Sucena Shkrada Resk


Desde o século XIX discute-se sobre a forma como o ambiente influencia a vida das pessoas. Agora, o desafio está em estabelecer o estímulo para que as pessoas adquiram autoconhecimento, percebam os outros e, também, os problemas socioambientais.
A terminologia Psicologia Socioambiental, foi criada no início deste século pelo Lapsi, e explica que, por meio dessa abordagem, é possível gerar conhecimento de como aprimorar as pesquisas de intervenção, que têm o objetivo de viabilizar projetos de mudanças sociais por meio da educação, da consciência e da ampliação democrática da vinculação das pessoas na vida social.


Psique - Qual foi a fase que antecedeu ao surgimento do conceito da Psicologia Socioambiental adotado pelo Lapsi?

Eda - O princípio foi a Psicologia Social, que surgiu como uma área científica, no fim do século XIX, embora já existisse como filosofia desde a Antiguidade. Estava vinculada ao debate da fundação da Sociologia e à questão da Psicologia profunda, que gerou depois outros desenvolvimentos, como o surgimento da Psicanálise. Naquele período, havia dificuldade de afirmação, devido ao momento histórico, em que o Positivismo era a doutrina convencionada por todos os especialistas que desenvolviam a Ciência. Não se concebia a ideia de uma Ciência que não fosse construída experimentalmente.
No começo do século XX, houve grandes avanços, com a antropologia cultural, que questionou uma forma única de se pensar o desenvolvimento social e os processos civilizatórios. Isso teve muita influência sobre a Psicologia social. Por volta dos anos 1920 e 1930, se desenvolveu a crítica comportamentalista, por John Watson, que deu mais atenção ao ambiente pensado como conceituação física. A inacessibilidade aos objetos trouxe a discussão sobre o comportamento, como alternativa de estudo dos fenômenos psicológicos. O comportamentalismo dava ênfase às funções do ambiente pensado como mundo físico, no comando das ações.

Psique - A Segunda Guerra Mundial exerceu influência sobre a introdução do contexto ambiental na Psicologia?
Eda - Depois da Segunda Guerra Mundial, a teoria da Gestalt deu uma leitura diferente à questão do ambiente, apesar de ainda estar no bojo da Psicologia Social. Enfocou o problema do espaço, da métrica e da geometrização. Por analogia, introduziu o conceito de campo da física para explicar as condutas e as formas de desenvolvimento do comportamento social. Nesse período, o psicólogo alemão Kurt Lewin fez uma proposta de abordagem, que chamou de "pesquisação". Sua tese é a seguinte: se não é possível fazer Ciência sem experimento, então é preciso fazer da vida social um laboratório. Só que a intervenção que deveria ser estudada, segundo ele, que se interessava principalmente pelo comportamento político, com relação aos problemas do autoritarismo e formação dos núcleos e influências das lideranças democráticas nas dinâmicas dos grupos -, teria como princípio a legitimidade ética.
"A Psicologia social surgiu como área científica no fim do século xix, embora já existisse como filosofia desde a antiguidade"

Psique - Daí partem os fundamentos da Psicologia Socioambiental?
Eda - Na verdade, começa a emergir como uma forma de teorização, com a intervenção da questão do campo/espaço, e outra experimental, com a chamada "pesquisação", de forma mais democrática. A terceira vertente é a definição do objeto de análise, que nessa fase, foi o comportamento político. A Psicologia social com a teoria da Gestalt, que deu origem à escola Behaviorista (psicologia do comportamento), constituirão mais adiante uma área específica, com a finalidade de estudar a relação da pessoa com o ambiente. Com isso, há o aprofundamento sobre o que é o lugar, a estima por esse lugar e como o sujeito espacializa sua identidade. Mas é importante destacar que ainda não havia a crítica ambientalista nesse contexto.

Psique - Qual a participação da crítica ambientalista nesse processo?
Eda - Ela provocou a discussão sobre a relação do homem com o meio ambiente, que teve início no final do século XIX, com o conceito de Ecologia, sistemas ecológicos e os movimentos transcendentalistas norte-americanos. Nessa fase surge, também, a crítica ao modelo do progresso feita por Friedrich Nietzche, que é seguido por outros pensadores. Essa corrente toma outra direção e vai convergir na emergência da crise ambiental, que ocorre após a Segunda Guerra. Já no final dos anos 1960, é criado o Clube de Roma, formado por pessoas ilustres de várias áreas. Lá, são colocados os limites dos problemas ambientais, do crescimento demográfico, da fome, da poluição, das diferenças entre o desenvolvimento, dos limites da Terra, ou seja, do limite do progresso.

Psique - As noções de sustentabilidade servem como base à Psicologia Socioambiental?

Eda - Sim. Nessa época, a tônica era a realização do planejamento urbano para reconstruir as cidades e conseguir promover a reorganização social, após os efeitos da guerra. Depois da Conferência de Estocolmo, em 1972, que foi um marco na história do ambientalismo, podemos dizer que a questão ambiental se insere, de vez, no debate da agenda internacional. E pelas manifestações da mídia, volta a ser um tema de discussão social. Na década de 80 do século passado, nascem os movimentos ambientalistas, que refletem as aspirações que envolvem a sociedade.

Psique - Por que o Lapsi passou a adotar o termo socioambiental?
Eda - O movimento socioambiental surgiu no Brasil, com a mobilização e encontros realizados durante o Fórum Social Mundial, em 2000. Só depois ganhou notoriedade e tornou-se conhecido mundialmente. Definiu-se, então, que não se podem dissociar as questões humanas das ambientais pensadas fisicamente. Introduziram-se, dessa forma, os temas de direitos humanos, das minorias, sempre sob um enfoque político. Isso quer dizer que a função do conhecimento depende do compromisso político de quem e por que aplica. Já a intervenção da "pesquisação", no campo da Psicologia, trouxe um compromisso ético para tratar do aprimoramento da vida social, senão não teria legitimidade para fazê-lo.

Psique - Que tipo de trabalho o Lapsi desenvolve?
Eda - Fazemos pesquisas básicas e aplicadas, ou seja, de intervenção. No bairro da Barra Funda, em São Paulo, realizamos uma pesquisa sobre a poética e história da região, por meio da vinculação da população com a trajetória da cidade. Em Campos Novos de Cunha, no interior paulista, realizamos uma pesquisa de intervenção, a partir de estratégias participativas de planejamento, para gerar o plano diretor, no bairro rural. O projeto foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e recebeu o nome de Cunha - raízes caipiras - observatório regional de gestão de planejamento participativo. Cerca de 6 mil pessoas da comunidade participaram do projeto, que resultou em um fórum. Essa intervenção foi baseada na abordagem da Psicologia Socioambiental.

Psique - Diante dessas experiências, como você define a importância do indivíduo ou cidadão dentro dos conceitos da Psicologia Socioambiental?
Eda - Ela está relacionada ao protagonismo. Nos projetos de intervenção, como citei anteriormente, as pessoas participaram e perceberam o que podem fazer. Mas se elas vão mudar seu comportamento a partir daí, é outra questão. Com a intervenção, obtivemos o conhecimento da possibilidade de que outras pessoas podem copiar o método aplicado e mobilizar a comunidade inteira, por meio de seus educadores. Conversamos com os professores, que passaram o conhecimento aos alunos, que transmitiram às famílias. Foi incentivada a mobilização da população para definir os seus próprios desejos. Além disso, não se pode ignorar a história de cada um nesse processo.
A Psicologia Socioambiental gera um conhecimento de como aprimorar a intervenção, que visa a projetos de mudanças sociais por meio da educação, da consciência e da ampliação democrática e da vinculação das pessoas na vida social. Não é que vamos transformar o ser passivo em ativo, mas o que a gente pode fazer é estimular e oferecer condições para que os coletivos emirjam. Nos coletivos, as pessoas vão perceber a si mesmas, aos outros, além dos problemas socioambientais.

Psique - A que hipóteses chegou o estudo comparativo entre a população de regiões central/periférica de São Paulo - Paris - Barcelona?
Eda - A hipótese foi de que devido ao contexto da globalização, se observa um alto teor de heterogeneidade (nas manifestações). A pesquisa apontou a possibilidade de que a espacialização da identidade ocorre por meio de uma associação entre o processo de identificação e imagens mentais, que configuram paisagens socioambientais vivenciadas. Criam-se, ao mesmo tempo, conflitos de fronteiras, como também superações criativas

Psique - Quais foram as outras iniciativas importantes realizadas pelo Lapsi, sob a óptica da Psicologia Socioambiental?

Eda - Em parceria com a Unesco e apoio do Ministério do Meio Ambiente, desenvolvemos em 2007 e 2008 o projeto Qualificação Social do Educador Ambiental Popular, em que levantamos formas criativas de como lidam com o tema em suas comunidades. Ao todo, foram envolvidas 1,3 mil pessoas, das mais diferentes formações, desde um pescador até profissionais com grau universitário, em cinco oficinas realizadas em cidades dos Estados da Amazônia, Bahia, Mato Grosso, Pará, Rio de Janeiro e Paraná. Muitos práticos educativos transmitiram suas experiências de propostas participativas para gerar projetos, que foram documentados. Um dicionário sobre termos utilizados no debate socioambiental surgiu em decorrência de questionamentos expostos por essas pessoas, durante os debates que foram promovidos. Agora, estamos concluindo documentários, CDs, livros e mapas, que são resultado da participação ativa desses educadores.

Psique - Como a Psicologia Socioambiental se insere na questão do aquecimento global?
Eda - A Psicologia Socioambiental que desenvolvemos tem como fundamento a abordagem crítica, a partir das propostas de Kurt Lewin. Não aceitamos a possibilidade de mudar a situação das questões climáticas sem que haja a compreensão de como acontecem no decorrer do próprio processo civilizatório. A única forma que se tem para intervir é revolver a terra da produção desse processo, que é gerador da crise. A verdadeira mudança e a educação ambiental têm de passar necessariamente pelas causas, em que a mudança climática é um dos elementos.

Psique - O Lapsi tem alguma produção a esse respeito?

Eda - Estamos editando um livro em conjunto com a Unesco sobre mudanças ambientais globais. Entre os questionamentos estão: o que produz essas mudanças? Será que só a ação antrópica é a responsável, e o que a determina? Se o aumento de CO2 contribui para o aumento da temperatura e provoca efeitos físicos, como o derretimento das calotas polares e o aumento dos níveis dos mares, podemos simplesmente dizer que são efeitos "apocalípticos"? O que podemos constatar é que a cultura, a técnica e o ambiente são três elementos que não se separam. A alteração de um vai provocar a alteração do outro.

Psique - Em sua opinião, houve alguma mudança comportamental da sociedade após a Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Rio - 92, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU)?
Eda - A Psicologia socioambiental compreende que a origem das mudanças climáticas está no processo civilizatório, caracterizado por uma concepção de desenvolvimento econômico comprometido exclusivamente com a inovação tecnológica geradora de riquezas, circunscrito em um sistema predatório. Mais do que o Neoliberalismo, isso é o fundamento da civilização ocidental. O Neoliberalismo é uma doutrina que vai se apropriar, de certa forma, dessa riqueza. Os questionamentos que surgem após a Conferência Rio 92 são: o que é mais importante, a preservação do homem ou das condições ambientais? Por que não se buscam outras formas de inovação que não aquelas que estejam comprometidas com esses interesses? É a concepção da busca da sustentabilidade contra a devastação e as desigualdades sociais, entre outros problemas.

Psique - O que tem a dizer sobre os efeitos da crise econômica mundial neste contexto?
Eda - Em janeiro deste ano, estive na Europa e fiquei chocada com o que vi. Com uma temperatura de menos 8 graus, várias pessoas estavam pedindo esmolas nas ruas. Sob uma marquise, havia uma fila de colchões, onde os indigentes dormiam. Isso demonstrou que, mesmo com as garantias de seguro-desemprego que o 'estado de bem-estar social' promove naquela parte do mundo, ninguém está a salvo de uma ruptura de tecido social. O Japão, por exemplo, está dando incentivos a brasileiros e outros imigrantes, para que voltem aos seus países de origem.
O Brasil, por mais que seja limitado, ainda tem uma retaguarda, um clima e uma cultura favorável. Mas a questão é pensar no significado de tudo isso quando se trata do planeta. O que está errado é a compreensão do que significa expansão econômica e desenvolvimento anunciados como ideia de progresso. O sujeito, para mudar o comportamento, precisa compreender e pressionar para mudar as estruturas do poder. Aí está uma possível resposta de o porquê de o discurso ecológico ser tão pouco eficiente, mesmo estando, a todo o momento, na mídia.


Psique - Como o ambiente influi na depressão, que é considerada a doença do mundo contemporâneo?

Eda - A depressão vem da impossibilidade de se superar limites, para atingir desejos, como também da incompreensão sobre esses desejos. Não saber qual é o ideal a que se deve corresponder. Com isso, há o sentimento de fracasso e impotência. O ambiente influi porque exerce um controle de coisas que o indivíduo desconhece. O sistema cultural inclui excluindo. O sujeito organiza sua identidade avaliando se está mais ou menos perto desse parâmetro. É dessa forma, por exemplo, que se define a pobreza (como um rótulo).
A saída para esse ambiente opressor seria a mudança da ordem cultural ou do mundo externo, por meio da revolução social. Muitos conseguem sair da depressão com a própria racionalidade e por meio da educação, mas outros dependerão de adoção de medicamentos, psicanálises ou terapias. Mas o restabelecimento dependerá da profundidade da crise. Se for conjuntural, poderá ser superada. Quando é estrutural é mais difícil, pois está na identidade do sujeito, e exige tratamentos mais complexos.

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