segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

O RANCOR DA HISTÉRICA[1]

M. Masud R. Khan

[1] Este texto é um capítulo do livro Passíon, solítude et 'olíe, Paris, Galli- mard, 1983; e foi traduzido por Monica Seincman.

Em todas as culturas, a histérica vestiu urna máscara que reflete tanto a moralidade manifesta quanto às aspirações sexuais mais escondidas do ethos da época. É por isso que foi tanto identificada a uma feiticeira e queimada, quanto santificada e glorificada. Foi apenas no final do século XIX que Charcot estabeleceu o estatuto da histérica, nela reconhecendo urna síndrome clínica específica, digna de atenção. N o entanto, na condição da histérica, o próprio Charcot não via mais do que uma exibição psiquiátrica espetacular. Deveria incumbir, ao gênio de Freud definir a natureza e o caráter deste mal. E Freud conseguiu, respeitando a "resistência" da histérica de ser conhecida tanto quanto sua recusa e sua má vontade em cooperar em seu próprio tratamento. Freud (1895d) postula que o não-saber da paciente histérica era, na verdade, não-querer saber; concluiu que havia aí "um não-querer que bem poderia ser mais ou menos consciente". Todos sabem que Freud atribuiu inicialmente este não-saber a episódios de sedução sexual real na infância antes de relacioná-los a fantasmas de sedução recalcados que o paciente expressava, no presente, através de urna linguagem somática, mas do qual se recusava psiquicamente tomar consciência.


Ao longo da história, a sexualidade bizarra das histéricas foi estigmatizada como constituindo o traço característico de sua personalidade. O novo, na abordagem freudiana, foi que ao determinar a etiologia dos sintomas histéricos, Freud destacou o papel predominante e quase exclusivo da sexualidade infantil, o que modificou completamente a maneira de abordar o problema. Não era mais necessário maltratar o histérico, considerando-o um mentiroso psicopata ou um gozador depravado, mas sim um indivíduo que tentava encarar as experiências que aconteceram durante seu desenvolvimento inicial, que, por um lado, estavam ultrapassando largamente os meios da personalidade incipiente e para os quais, por outro, encontrava, em sua infância, apenas urna pequena compreensão em seu meio.

Desde os primeiros escritos de Freud sobre a histeria, ou seja, há quase 80 anos, não tivemos grande coisa na literatura que nos permitisse compreender melhor o histérico. Pelo contrário, seu estatuto clínico foi confundido com o dos distúrbios mais graves da personalidade. Aqui, minha hipótese será que o histérico, durante os primeiros anos de sua infância, responde as faltas de urna maternagem - suficientemente-boa com um desenvolvimento sexual precoce. As angústias e os afetos primitivos engendrados pela falta de um meio de sustentação (holding) apropriado e a ameaça resultante para a coesão do eu nascente são conjurados tanto pela intensificação quanto pela exploração dos aparelhos sexuais do eu-corpo. É por isso que, desde o início, se estabelece entre a experiência sexual e a utilização criativa das capacidades do eu. É esta dissociação e a técnica específica utilizada para enfrentar a excitação e a angústia que conferem a esta personalidade, na idade adulta, o caráter sexual bizarro e particular que marca ao mesmo tempo seu comportamento e sua sintomatologia. Se, na vida adulta, o histérico responde a angústia pela sexualização, ele emprega (em suas relações de objeto) os aparelhos sexuais do eu-corpo em vez do modo de relação afetiva e das funções do eu. O resultado disso são a promiscuidade e as inibições que marcam suas experiências sexuais. O histérico tenta realizar, ao utilizar os aparelhos sexuais, o que os outros conseguem graças ao funcionamento do eu. É o que explica seu desejo ardente de experiência sexual, desejo que só se compara a sua incapacidade de manter urna relação amorosa ou dela se alimentar. É por isso que, nas experiências que eles mesmos têm, os histéricos vivem em um estado psíquico de rancor perpétuo. Eles sentem que algo é mantido fora de seu alcance e que não se reconhecem seus desejos pelo que eles são. O que era urna incapacidade do eu nascente na experiência infantil -não recebendo a criança urna proteção adequada de seu ambiente é, na vida adulta, projetado e vivido como a recusa dos outros em reconhecer seus desejos (em grande parte sexuais) e satisfazê-los. Todo histérico, homem ou mulher, acredita sinceramente que se seus anseios e desejos sexuais fossem gratificados, estaria curado. Eles atribuem sua incapacidade de conseguir esta gratificação com um companheiro a impossibilidade destes de os aceitar totalmente e os amar.


Se é verdade que o histérico, no início de seu desenvolvimento psicossexual, substituiu a exploração sexual do eu-corpo pelo desenvolvimento das funções do eu, pode-se, então, compreender não somente por que ele se mostra fundamentalmente ambivalente e hostil em relação às capacidades inatas de seu eu, mas também porque testemunha de urna aversão hostil e invejosa no que se refere a todo o funcionamento de eu no objeto amado, durante a vida adulta. A promessa do potencial do eu do histérico contribui grandemente para seu charme, tanto enquanto paciente quanto na sociedade. Mas, inconscientemente, este potencial é constantemente sabotado em proveito da solução sexual. O histérico também não pára de lutar contra as bases que poderia encontrar em seu eu. .

A histeria é, antes de tudo, urna doença que encontra seu caráter e sua forma na puberdade. O que vem confirmar minha hipótese, pois, na puberdade, a luta entre a sexualidade e o funcionamento do eu conhece um novo confronto crítico; e as escolhas do histérico recaem inevitavelmente sobre a solução sexual. Esta escolha é pré-condicionada pelas experiências infantis. Daí, a onipresença invasiva dos fantasmas infantis sexuais tanto pré-genitais, quanto genitais, e seu deslocamento sobre as funções do eu formação de identidade do histérico. Por esta razão, este, cura enfrentar tarefas novas na vida sob o modo da potencia através de urna fantasia sexual e uma cumplicidade com os adultos; ele lhes suplica que se encarreguem das funções do eu necessárias. Sua excessiva, dependência em relação ao objeto amado adulto é urna técnica que consiste em delegar as funções pessoais do eu, com a finalidade de viver graças à solução sexual. E mesmo quando histérico encontrou esta solução com alguém, isto dura muito tempo. Acaba, inevitavelmente, em virtude de sua lógica inata e escondida, pelo rancor e queixas. Por quê?

É tripla a resposta a esta questão. Minha experiência clínica me faz pensar que, na puberdade, os histéricos não descobrem a sexualidade genital como algo de novo que ofereceria urna nova possibilidade ao seu eu-corpo. No desenvolvimento psicossexual de sua infância, houve fuga em direção a uma sexualidade "genital" prematura que era um meio de enfrentar a imaturidade do eu. Esta sexualidade genital está, inevitavelmente, sobrecarregada de impulsos e fantasmas pré-genitais. Assim, a sexualidade genital nascente, no momento da puberdade, não é uma surpresa para o histérico e não enriquece sua personalidade como urna nova experiência, mas revivifica todos os sistemas fantasmáticos genitais anteriores, ao manter um conflito agudo com o código moral e os valores que o indivíduo assimilou pelo caminho. Neste clima interior conflitivo, o histérico vive como fosse uma "vítima" das forças instituais e dos preconceitos morais sentidos como não sendo de sua própria criação. A única solução possível parece ser o "agir". Mas por causa da sua dissociação entre o fantasma sexual e as funções do eu, os histéricos permanecem passivos, na expectativa, esperando a pessoa que os auxiliará a "agir" esse estranho amálgama de sexualidade pré-genital que possuem. No tratamento de perversos, um fato sempre me surpreendeu: o de que, freqüentemente, seus cúmplices (suas "vítimas") eram mulheres histéricas. O histérico tem necessidade, por assim dizer, de urna facilitação sexual por parte do outro para poder agir seus fantasmas sexuais latentes e recalcados. É por isso que sempre se sente inocente em tudo o que, em sua vida, deve ser atualizado em uma experiência sexual. Ele tem a sensação de que se faz em relação a ele mais do que ele faz em relação aos outros, que se peca mais contra ele do que, ele mesmo, é pecador. Além disso, consciente e abertamente, é raro que o histérico procure um objeto com vistas a uma experiência sexual explícita. A intenção e o desejo sexuais são, antes, expressos como uma traquinagem e uma provocação do que como uma necessidade que reconhece em si. A reivindicação de gratificações sexuais freqüentemente se afina quando a relação de objeto se deteriora e o objeto amado começa a não ter mais esperanças de encontrar uma emoção mútua. Quando o seu relacionamento chega ao fim, o histérico, da maneira mais triste e irônica, descobre a verdadeira necessidade que negava no início. O que procura através da solução sexual é essencialmente a facilitação de um funcionamento inadequado do eu. É esta dissociação fundamental entre o eu-corpo e as funções do eu que cria um outro estado desastroso para o histérico. O sucesso da solução sexual significa inconscientemente a castração das capacidades do eu. A reedição sexual em relação ao objeto acarreta, para o eu, a ameaça de aniquilação; daí a recusa absoluta do histérico face ao objeto procurado e desejado.

Chegamos agora ao segundo fator que milita contra o sucesso da solução sexual como um objeto exterior. Em qualquer relaçao de objeto entre o histérico e os outros, há uma ignorância fundamental. O objeto lê nos gestos do histérico a expressão de anseios e desejos sexuais e responde neste sentido, enquanto se trata, antes de tudo, de uma linguagem simbólica do corpo que procura expressar as necessidades primitivas de cuidado e proteção. É por isso que a experiência sexual constitui coro freqüência, para o histérico, urna traição da confiança e urna exploração brutal do potencial sexual. Urna paciente, cuja aventura tumultuada coro um homem muito rico chegava ao fim, expressava assim seu rancor: "Aquilo de que eu precisava era ser amada, e tudo o que consegui obter foi que me tratasse como urna puta”. Esta desconfiança em relação ao objeto gratificante adulto é pré-condicionada, no histérico, pelo caráter das primeiras experiências infantis. As necessidades corporais foram satisfeitas, mas as necessidades do eu não foram nem reconhecidas nem facilitadas, o que era essencial. Além disso, o histérico projeta sua própria traição do processo do eu através de um desenvolvimento sexual precoce, nos objetos adultos em urna nova situação. Neste contexto, a essência de seu rancor é que o novo objeto de amor não conseguiu distinguir-se entre os desejos do isso e as necessidades do eu. Sou, assim, levado a expor a terceira razão pela qual a solução sexual é um fracasso no caso do histérico. Urna das contribuições decisivas de Freud para a epistemologia da experiência humana é ter estabelecido que os sintomas histéricos são uma comunicação e que este modo de comunicação tem sua própria gramática no funcionamento psíquico humano. Freud soube decifrar como os sintomas histéricos comunicam os sistemas de desejos recalcados e inconscientes que provém, em grande medida, da sexualidade infantil. Winnicott acrescentou a esta hipótese uma outra dimensão, ao distinguir entre os sistemas de desejos inconscientes (isso) e os sistemas de necessidades inconscientes (eu). Sua tese é de que os sistemas de desejos podem ser abordados pelos processos intrapsíquicos, por exemplo, o deslocamento, a projeção e o recalcamento, enquanto os sistemas de necessidades reclamam urna facilitação exterior efetiva e o apoio do ambiente que prodigaliza cuidados, para que as capacidades incipientes do eu da criança se tornem, com o tempo, progressivamente capazes de ter êxito de uma maneira autônoma. Ao tentar compreender a natureza do funcionamento afetivo e psíquico das crianças delinqüentes, Winnicott (1956) introduziu o conceito de tendência anti-social.

Brevemente resumido, a hipótese de Winnicott é que a tendência anti-social é encontrável em todos os distúrbios da personalidade. A presença desta tendência indica que "houve uma verdadeira de privação" na primeira infância do indivíduo. Esta privação está ligada as boas experiências na vida da criança, experiências que em seguida foram interrompidas ou perdidas durante um lapso de tempo em que ela não era capaz de conservar a lembrança do que foi bom e positivo. Mais tarde, o indivíduo "agirá" estas experiências traumáticas através da tendência anti-social. O que caracteriza esta tendência é um elemento que obriga o ambiente a ser importante. Implica, além disso, a esperança e representa urna tendência a autotratamento.

Este conceito winnicottiano de tendência anti-social me parece muito valioso para compreender a condição do histérico. Parece-me que o histérico expressa esta tendência exclusivamente pelo viés das experiências sexuais. No momento do processo de desenvolvimento, o histérico adota como solução um desenvolvimento sexual precoce, que disfarça o que Winnicott chamou de falta da mãe que não pode prover as necessidades do eu da criança. É isto que constituí a sexualidade adulta, no histérico, não tanto o veículo da gratificação e do enriquecimento instintual, mas sim um idioma que permite comunicar a privação, e urna técnica para expressar a esperança de que o objeto saberá curar a dissociação, ao decifrar as necessidades do eu inconscientemente expressas no que se apresenta como uma complacência sexual manifesta e a pesquisa instintual. Os histéricos são notoriamente dotados para encontrar objetos adequados para, em seguida, se limitar a mantê-los em xeque e a desconcertá-los. A "promessa" da personalidade histérica traz em si uma esperança mais que um desejo ou uma capacidade.

Gostaria, finalmente, de voltar à hipótese de partida de Freud no que se refere ao papel do traumatismo real (a sedução) na etiologia da histeria. Há realmente um traumatismo real na etiologia da histeria, mas não é de natureza sexual. Está, antes, relacionado ao fracasso da mãe que foi incapaz de prover as necessidades do eu da criança. A maneira pela qual a criança se cura deste traumatismo através da exploração sexual das experiências do eu-corpo constitui o modelo de base que valerá para qualquer situação de stress e conflito que o histérico conhecerá posteriormente. Este autotratamento condiciona também a utilização que ele faz dos objetos, assim como de suas capacidades do eu, e explica igualmente o fato de que o histérico é um paciente ao mesmo tempo cheio de promessas e tão recalcitrante. A terapia lítica opera ao instaurar urna relação de objeto bastante específica. É precisamente na área da relação de objeto que o histérico sofreu seus primeiros traumatismos e conheceu a confiança. É por isso que ele hipersexualiza a transferência, ou seja, que tenta trazer à força para o processo analítico a solução sexual. O que parece ser intolerância da do histérico frente a frustração sexual é, na verdade, profunda desconfiança, o sentimento de que o objeto externo não responderá às necessidades de seu eu. Na transferência, assim como na vida, o histérico estabelece esta realidade psíquica particular, o rancor, graças à qual pode entrar em relação com o outro, sem que haja mutualidade, e comunicar sem correr o risco de ser conhecido e ajudado.

Se o histérico esteve na origem do processo terapêutico analítico, ele vai também até seus últimos limites. Durante os últimos dez anos, diversos analistas questionaram sua analisabilidade. Elisabeth Zetzel (1968) definiu com pertinência o estatuto atual dos histéricos na psicoterapia analítica, quando diz que acontece de terem “desenvolvido a neurose de transferência intensa, hipersexualizada, mas que há apenas poucos sinais, neles, de uma situação analítica estável. Nenhum deles parece ter feito um progresso autêntico no sentido da resolução analítica de seus problemas atuais”. Estimo que a razão disso é nossa incompreensão do modo de comunicação do histérico, que se comunica consigo mesmo e com os outros pelo viés de formações sintomáticas. Sua capacidade de criar, manifestar e explorar os sintomas impede incapacidade fundamental de utilizar o funcionamento

mental psíquico, assim como a afetividade, na relação: ele e o objeto. Anna Freud (1952) lançou a idéia de que, no perverso, o medo central é o de urna rendição emocional ao objeto. No histérico, o medo fundamental é o da rendição psíquica ao objeto. Sua passividade e sua sugestionabilidade nos induzem clinicamente ao erro quanto a verdadeira avaliação de sua negatividade em relação ao funcionamento psíquico. O rancor, no histérico, o defende, além disso, do auxílio que o outro poderia lhe trazer para lhe permitir enfrentar esta incapacidade. O histérico abriga seu ambiente a agir sobre ele, ou para ele, mas permanece inacessível a mutualidade de um diálogo psíquico e de urna partilha.

Se for verdade, como suponho, que no momento do processo de desenvolvimento na infância, o histérico substituiu o desenvolvimento sexual precoce pela integração do eu, pode-se então postular que o medo da rendição psíquica comporta, para ele, a descoberta que há nele apenas um funcionamento psíquico criativo ou urna afetividade muito empobrecidos. Este "branco" constitui a condição essencial do histérico e obstaculiza uma utilização positiva do processo analítico que visa o conhecimento de si e a personalização. A histeria não é tanto uma doença, mas sim uma técnica que consiste em permanecer "branco", ausente de si, com sintomas que são apenas substituições que permitem camuflar esta ausência.

Uma questão se coloca então: o que, no histérico, na primeira relação mãe-filho, fez com que fosse necessária esta necessidade de um "branco" e provocou este medo de urna rendição psíquica? Em outras palavras, por que a vida interior do histérico se torna um cemitério de recusa? Evocarei urna análise em curso, a de urna jovem casada, para esclarecer a natureza da perturbação mãe-filho que subjaz à recusa que opõe o histérico em relação ao objeto, e isto em favor de uma hipersexualização das gratificações de objeto parcial.

Após um ano de urna análise muito produtiva, que havia auxiliado a paciente a compreender urna grande parte de suas dificuldades relativas, por um lado, a frigidez sexual e, por outro, a inibições intelectuais, o processo clínico chegará brutalmente ao ponto morta. Ao longo de seis semanas, ela foi incapaz de dizer urna palavra em sua análise. Paralelamente, seus sintomas de frigidez reapareceram em sua vida conjugal; ela também era incapaz de abrir um livro. A inércia ganhava completamente seu comportamento, na análise e fora dela. A idealização hipersexual a meu respeito se transformou em uma forma passiva de denegrimento: eu me tornei tão inútil quanto qualquer um até então em sua vida. Tornou-se também incapaz de comer. Isto me levou a propor a interpretação de que ela havia agora regredido até um ponto em que me desejava sob um modo oral muito arcaico; em que minha função, enquanto pessoa que traz compreensão e insight, era vivida por ela como urna ameaça face ao seu bem-estar. Estas interpretações tiveram apenas pouco efeito; ela continuou a me punir vindo regularmente e conservando um silêncio cheio de rancor. Finalmente, em uma sessão, ela adormeceu e foi despertada sobressaltadamente por na imagem hipnagógica. Não era um sonho. Nessa imagem, ela chupava meu pênis. Mas no momento em que tomava consciência, também percebeu que enquanto pessoa total, eu não estava lá: havia apenas um pênis. Foi-me possível, a partir daí, interpretar que a felação -incorporação sexual agressiva do objeto parcial -permitia-Ihe manter sua identidade ao me rejeitar como urna pessoa ameaçadora, Pode, então, lembrar-se de maneira bem precisa que, desde sua tenra infância, teve consciência dos cuidados indulgentes que a mãe lhe dedicava, particularmente quando a alimentava; mas ela tinha também tomado urna consciência aguda de um certo estado emocional em sua mãe do qual sentia necessitar se proteger.

A partir deste material, do qual não posso trazer aqui dada a complexidade, poder-se-ia postular que, em sua infância, o histérico tem muito cedo a consciência do humor objetivo da mãe, humor que se intromete em sua função de provedora de cuidados. Nestas circunstâncias, a criança sexualiza de um modo regressivo urna relação de objeto parcial (gratificação pelo seio ou seus substitutos) para recusar esta intrusão da emotividade da mãe e de uma relação próxima demais as quais as capacidades incipientes do eu da criança não podem enfrentar. É esta ameaça que representa a mutualidade que desencadeia no histérico uma luta que durará toda a sua vida entre a procura de um objeto que seja fonte de excitação, por um lado, e sua recusa que exprime o próprio ato da gratificação, por outro. É por isso que pude dizer que o mundo interior do histérico é um cemitério de recusa. Além disso, como Freud mesmo sublinhou, a repetição é o modo privilegiado de reminiscência no histérico. As lembranças que o histérico guarda de sua primeira infância são principalmente lembranças somáticas, relativas aos cuidados maternos, não servindo nem a elaboração psíquica nem a verbalização. Daí a demanda que os histéricos fazem, na situação clínica, de uma gratificação sensual e, esta demanda não podendo ser satisfeita, sua tendência a passar ao ato.

É esta orientação da sensibilidade do histérico que impulsiona o processo analítico até seus limites. A proteção do eu que os cuidados maternos forneceram as necessidades do isso do lactente e do bebê se acompanhou, no caso do histérico, de um excesso de intrusão das necessidades pessoais por parte da mãe; as satisfações encontraram-se assim idealizadas como urna experiência segura, pelo fato de ser um começo e um fim Contrariamente, as necessidades do eu da criança se escondem ou apenas se expressam através dos desejos do isso, o que instaura uma confusão perpétua na experiência subjetiva dos histéricos entre seus verdadeiros desejos do isso e as necessidades do eu. Na vida adulta, e particularmente na situação analítica, o que se apresenta primeiramente como uma demanda de relação de objeto, indo no sentido da compreensão de si, não demora a se tornar urna reivindicação confusa que visa as satisfações do isso. Neste contexto, a função interpretativa do analista é vivida pelo histérico como um ataque fálico ou urna sedução. É por isso que o histérico deve recusar a relação total e retornar a segurança que lhe oferece este "branco" que é, ao mesmo tempo, negação de si e do objeto.



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