quarta-feira, 23 de março de 2011

Fita Branca - Uma História de Crianças Alemães

Fita branca foi o filme vencedor da Palma de Ouro e o prêmio da crítica  no Festival de Cannes 2009. Trata dos antecedentes históricos e culturais da formação da mentalidade e da prática que representou a maior tragédia do século XX.

A história é narrada pelo professor de uma cidadezinha. O enredo conta estranhos eventos, às vésperas da Primeira Guerra Mundial, que perturbam a calma de uma pequena cidade na Alemanha.

Uma corda é colocada como armadilha para derrubar o cavalo do médico, um celeiro é incendiado, duas crianças são sequestradas e torturadas. Gradualmente, estes incidentes isolados tomam a forma de um sinistro ritual de punição, deixando a cidade em pânico.
O professor do coro de crianças e jovens da escola local investiga os acontecimentos para encontrar o responsável, e aos poucos desvela a perturbadora verdade.


A forma como se dá a produção do modo totalitário de existir, pautado essencialmente no desrespeito à vida do outro humano, destrutividade que implica em desconhecer absolutamente a hospitalidade e a diferença.

As crianças e mulheres do local são sempre severamente punidas pela menor infração. A tal fita branca é usada para mostrar que os menores cometeram erros e que agora estão dispostos a serem bons.

Três cenas do filme A Fita Branca que mostram um pouco o tipo de relação estabelecida entre  homens e mulheres no filme.
a esposa do pastor
amante do médico viúvo
a baronesa










Toda a frieza e culpa coletiva são retratadas em preto e branco e narradas por um jovem professor (Christian Friedel). O sistema do vilarejo é totalmente hierárquico, todos executam suas funções e os adultos são conhecidos pelos seus cargos: o Pastor, o Barão, o Fazendeiro.

Toda intransigência moral começa quando o médico (Rainer Bock) é hospitalizado depois de o cavalo que montava tropeçar num fio quase invisível posto entre duas árvores por onde passava todos os dias.


A vida parece continuar, só que o médico, que aparenta ser uma boa pessoa, entre paredes mostra-se cruel com a amante.

Já as ações dos homens são sempre mantidas confinadas no abafo, como se eles fossem santos. Tempos depois, o celeiro do Barão é incendiado. Quem são os culpados? Não há pistas e não sabemos onde a maioria das pessoas estava em diversos momentos determinantes.

O silêncio sinistro que envolve a coletividade é cortado pela notícia do assassinato de Francisco Ferdinando, arquiduque da Áustria, em Sarajevo. Por mais que possa deixar mistérios insolúveis, A Fita Branca faz um paralelo entre esses acontecimentos com os anos sanguinários e fascistas pelos quais a Alemanha passaria, e toda incerteza momentânea deixa rastros de como a tragédia pode terminar.
Critica: Por Luiz Felipe Nogueira de Faria “A Fita Branca” de Michael Haneke

Numa recente entrevista Michael Haneke afirmou seu interesse em discutir as questões relativas ao advento do nazismo, indicando o que a seu ver representa uma lacuna importante: pouco se filma sobre os antecedentes históricos e culturais da formação da mentalidade e da prática que representou a maior tragédia do século XX. Em “A Fita Branca”, palma de ouro em Cannes, assistimos não apenas a uma reflexão sobre como se forma a geração nazista, mas também e sobretudo como se dá a produção do modo totalitário de existir, pautado essencialmente no desrespeito à vida do outro humano, destrutividade que implica em desconhecer absolutamente a hospitalidade e a diferença.
A questão é grave e a discussão complexa. Vai muito além deste filme. O que importa destacar é a maneira inteligente e elegante com que isso é realizado neste trabalho, com recursos cinematográficos que primam pela delicadeza estética, especialmente quando se trata de aludir, pelo próprio modo de filmar, ao mortífero jogo de submissões e omissões consentidas, diga-se, capazes de permitir a proliferação silenciosa da violência.
Acima de tudo Haneke e o diretor de fotografia Christian Berger trabalham com a possibilidade de transitar entre o visto e o não visto, o escutado e o não escutado, entre as ações que só se mostram nos seus efeitos de horror e aquelas que indicam na sua imediata concretude o peso lancinante da tortura. Sem deixar de mostrar um esforço de resistência ao ódio mais brutal, ainda que este esforço esteja fadado ao fracasso e ao cruel abandono.
Por volta de 1910, numa pequena aldeia alemã, tudo parece funcionar sem maiores sobressaltos. No entanto, aos poucos situações que parecem banais vão se avolumando, crimes hediondos vão ocorrendo. Mas na investigação que se segue, ninguém sabe, ninguém viu. Ninguém sabe? Quando adentramos na intimidade dos lares, todos eles repletos de crianças, nos damos conta da enorme cumplicidade de todos (ou quase todos), de modo que não saber (e não ver, não escutar) torna-se a palavra de ordem da vida na aldeia. De tal maneira que é possível pensar que o mistério que se faz, longe de ser acidental, é afirmação de um jeito de viver. Ou de morrer.
Seguindo com cuidado os movimentos dos personagens, a direção e o roteiro de Haneke destacam os efeitos da política higienista, da educação autoritária e hipócrita, da perversão nas relações entre pais e filhos, da submissão voluntária, da vingança mais desesperada e do soterramento da ternura infantil. As cenas são belas na sua concepção “noir”, o que permite apreender as tomadas elípticas como apresentação direta da questão que move o filme. Os recursos de fotografia criados por Berger permitem “ver” na penumbra e não “ver” na claridade. Exatamente como indica a história que se quer contar. Genial!
Assim, muito a propósito não há uma trilha sonora. O impacto das falas (ácidas, em sua maioria) e dos gestos silenciosos, bem como a narração em off (de um dos poucos personagens que mantém estranhamento dos fatos), é muito forte. As interpretações de todo o elenco mostram um esmero admirável, além de um excelente preparo.
Então, ver esse filme é obrigatório. Ele conjunta um enorme deleite cinematográfico à exigência de pensar sobre o agora dos silêncios e brutalidades que nos acossam diariamente. Michael Haneke conta uma história do século XX, com vistas a nos afetar no presente do século XXI.

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