quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

“A SOLIDARIEDADE DOS SERES VIVOS”


ENTREVISTA COM JACQUES DERRIDA

por EVANDO NASCIMENTO
(revisão de EURÍDICE FIGUEIREDO)

Frequëntemente a própria mutação
tecno-político-científica nos obriga a
desconstruir; é ela que na verdade
desconstrói por si mesma as
pretensas evidências naturais
ou os axiomas intocáveis.

Jacques Derrida, De L´Hospitalité

Ver a versão completa da entrevista publicada no suplemento Mais! da Folha de S. Paulo, em 27.5.2001.
http://veja.abril.com.br/201004/p_154.html


APRESENTAÇÃO



Pensador francês de origem argelina, Jacques Derrida teve seus primeiros livros publicados nos anos 60, fazendo parte da geração que inclui, dentre outros, Michel Foucault, Gilles Deleuze e Roland Barthes. “Desconstrução” tem sido a categoria que os críticos mais identificam ao pensamento derridiano, comparecendo já em seus primeiros textos, tais como “A Escritura e a diferença” e “La Dissémination”. O próprio Derrida jamais subscreveu o abuso da palavra, preferindo utilizá-la entre aspas e no plural, para indicar o modo especial como desloca alguns dos pressupostos da chamada metafísica ocidental.

Os textos que publicou nos últimos anos, tais como “Espectros de Marx”, “Politiques de l’amitié”, “De l’Hospitalité” e “Fé e saber” se debruçam cada vez mais sobre questões do campo da ética e da política, propondo todavia um enfoque diferencial em relação a abordagens tradicionais dessa problemática. Três pensadores foram fundamentais para Derrida recolocar a questão ética em outros termos: Nietzsche, Lévinas e Freud. Nietzsche foi o primeiro a demonstrar como as oposições metafísicas entre bem e mal, presente e ausente, alto e baixo, interior e exterior é que regem e orientam o conceito filosófico de verdade. Muitos dos fundamentos metafísicos da ética dependem desse tipo de binarismo em que um dos pólos vale mais que o outro.
Já para o pensador judeu Emmanuel Lévinas importa pensar uma alteridade que não se reduza ao Mesmo, entendido como eu individual ou identidade coletiva. Com Lévinas, na verdade é o eu que passa a existir em função do outro. Somente no momento em que se divisa o “rosto” do outro ou de outrem (“le visage d’autrui”) é que um eu se forma e se informa a respeito dessa alteridade que ele nunca poderá esgotar, reduzir, em suma, interpretar a sua maneira e segundo seus valores morais.
Derrida vai recorrer também a Freud e sua lógica do inconsciente, a fim de pensar os valores relacionados ao que chama, a partir de Nietzsche e Lévinas, amizade e hospitalidade incondicionais. Esses dois valores podem contribuir para abrir um horizonte mais além da crueldade e da soberania, que estão para Derrida associadas à pulsão de morte (como fator de destruição) e à pulsão de domínio (“Bemächtigungstrieb”).

Na amizade e na hospitalidade incondicionais está implicada a acolhida do outro enquanto outro. Se no Ocidente se concebeu que a lei da hospitalidade determina a submissão do estrangeiro às leis da casa, para Derrida, a hospitalidade incondicional deveria se pautar não só pela aceitação da diferença (social, cultural, moral) do outro, mas sobretudo pelo aprendizado que o contato com o desconhecido proporciona. Do mesmo modo, se a tradição filosófica sempre privilegiou os laços de amizade entre homens (reduzindo-a ao pólo da fraternidade, do irmão), interessa trazer a figura da irmã para o primeiro plano (instaurando a força da “sóror” e abalando o falocentrismo inerente às relações na “pólis”, como a figura de Antígona ajuda a refletir).

Discursos-limite como a psicanálise e a literatura podem, sem álibi, nos ajudar a pensar o advento do outro radical. Derrida não propõe com isso uma nova utopia, pois a hospitalidade incondicional e a amizade para além do fraterno requerem a experiência, sem a qual girariam “na longa azul gaiola” (Drummond) da abstração. Isso configura o projeto virtual e real de uma “democracia por vir”. Nesse caso, a literatura, mais do que a psicanálise, estaria apta a responder ao apelo do desconhecido, já que sabemos o quanto o movimento psicanalítico - desde Freud e apesar da força de seu pensamento - se deixou ainda marcar por formas de crueldade e de exclusão soberanas.

A entrevista foi realizada no Café do Hotel Lutétia, em Paris.
Entrevista na integra
http://www.rubedo.psc.br/Entrevis/solivivo.htm

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