Adelia Prado

Adélia se formou em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Divinópolis em 1973, quando contava trinta e nove anos de idade. Nessa época, já era, há tempos, uma senhora muito bem casada com o bancário José de Freitas – o Zé, como carinhosamente o chama – e mãe de cinco filhos, três deles adolescentes.

Seu ingresso no mundo da literatura se deu em 1973, ano de sua formatura, quando enviou uma carta com uma porção de poemas a Affonso Romano de Sant’Anna (2000, p. 17-18), também seu conterrâneo, que, tendo gostado, não perdeu tempo e comentou sobre a poeta emergente com Carlos Drummond de Andrade.

Casamento


Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

Texto extraído do livro "Adélia Prado - Poesia Reunida", Ed. Siciliano - São Paulo, 1991, pág. 252.



ENSINAMENTO


Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
"Coitado, até essa hora no serviço pesado".
Arrumou pão e café , deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.



CONFEITO




Quero comer bolo de noiva,
puro açúcar, puro amor carnal
disfarçado de corações e sininhos:
um branco, outro cor-de-rosa,
um branco, outro cor-de-rosa.




Solar




Minha mãe cozinhava exatamente

arroz, feijão-roxinho,

molho de batatinhas.

Mas cantava.